“Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo” (Colossenses 2:8).
“Cabral descobriu o Brasil coisa nenhuma. Isso é invenção de Portugal. E os espanhóis que chegaram aqui antes dele? E os índios que aqui já habitavam?”. Escutei muito essa frase. Às vezes, a pessoa que fala isso se sente a descolada, né? por contrariar a informação popular vigente. Contudo, ela ignora que, em séculos passados, um conceito comum da palavra “descobrimento” não era o de meramente conhecer algo até então desconhecido de todos, mas, abrangia também o conceito de "tomar posse"[1]. Então, Cabral descobriu o Brasil? Sim e não. Depende do conceito de descobrimento a que você se refere. É de imprescindível importância entender o conceito das palavras dentro do contexto em que estão inseridas, e não aplicar arbitrariamente, às palavras de outrem, nossa própria forma de utilizá-las.
Os conceitos das palavras nem sempre são os mesmos. Não estou falando de relativismo, e sim que nem sempre nossa mente, nosso tempo, nossa família, nossas tradições ou nossa cultura conseguem conferir a palavras e expressões que lemos ou ouvimos o mesmo significado que o autor tinha em mente quando as empregou. Extrair do texto, de forma mais incontaminada possível, o que o autor quis dizer é o trabalho de todo bom exegeta.
Fomos criados de formas diferentes, em locais diferentes, por pessoas diferentes, passamos por experiências de vida diferentes. Cada um desses fatores contribuem para que cada ser humano confira significados particulares àquilo que é dito. Em quantas ocasiões não ficamos magoados ou irritados com palavras alheias, quando às vezes bastava uma simples pergunta: “Espera ai, ao dizer isso, você está querendo dizer isso e aquilo outro?”. Se tivéssemos sempre a sobriedade de, a despeito de nossos conceitos a priori, perguntar a pessoa qual significado ela confere àquelas palavras que disse, evitaríamos muitos mal-entendidos.
Obviamente, com textos antigos, e a Bíblia principalmente, devemos ter um cuidado ainda mais especial nesse aspecto. É nosso dever fazer sempre a pergunta: “O que a Bíblia quer dizer quando emprega tal palavra ou expressão?”, para assim não corrermos o risco de contaminar os conceitos bíblicos com conceitos de nossa sociedade, ou nossos conceitos particulares, por vezes construídos com base em tradições estranhas às Escrituras. Negligenciar tão simples e crucial pergunta tem trazido sérios danos e dissensões ao cristianismo, desde muito tempo. Muitos se digladiam enquanto que, se procurassem na Bíblia a definição dos conceitos que ela mesma trás, já se esclareceria muita coisa.
E, nem se preocupe que a Bíblia fornece mesmo a definição para os conceitos que ela usa. Algumas vezes, a definição está bem na cara; outras vezes, nem tanto; mas sempre estará lá. Se não estiver, significa que Deus não julgou importante definir ou revelar aquilo, então, não seremos nós que devemos ter a petulância de nos atrever a inventar definições e revelações que o texto bíblico não trás. Infelizmente, é isso o que muitos descrentes e crentes têm feito ao ler as Escrituras: imprimir suas próprias definições, manchadas por filosofias extra ou anti-bíblicas, para tratar de conceitos bíblicos. ESTÁ ERRADO! Errado do início ao fim!
Se há algo em que cristãos sérios acreditam veementemente é no Sola Scriptura e no fato de que a Bíblia é sua própria intérprete. Muitos chegaram a ser mortos por isso. Então, minha gente, não desprezemos o sangue derramado de tantos santos mártires. Comparemos um texto a outro texto, um preceito a outro preceito (Is28:13); deixemos que a Bíblia interprete a si mesma.
Ainda que você não seja cristão, considere que é um desrespeito à ética e ao bom senso ignorar a forma que um autor - qualquer que seja ele - costuma empregar algum termo ou expressão. Não buscar no que o próprio autor escreveu, em seu contexto histórico e cultural, a chave para desvendar o que ele quer dizer, não pode ser uma forma segura, racional e honesta de entendê-lo. Pessoas sinceras, sejam crentes ou descrentes, devem ter tudo isso em alta consideração ao ler um texto.
Este post abre uma série com temas nos quais, compreender a forma que a Bíblia emprega determinadas palavras é de fundamental importância no entendimento de vários assuntos, tais como: Biblicamente, o que é “alma”, “espírito” e “inferno”? Biblicamente, o que é ser “santo”? Biblicamente, o que é “mundano”? Biblicamente, o que é ser “filho de Deus”? Biblicamente, o que é ser “perfeito”? Biblicamente, o que é “fogo estranho”? Biblicamente, o que é ser “trevas”? Biblicamente, o que é ser “incrédulo”? Etc. São temas que têm divido cristãos no mundo inteiro há gerações, então, não espero solucionar cada uma destas disputas milenares num post de blog, mas espero contribuir com o debate e com o conceito que é a tônica deste blog: Sejamos bíblicos.
“Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo” (Cl.2:8). Cuidado. Também cuidado para que você não seja o auxiliar do enredador, perpetuando como bíblicos, conceitos que estão em qualquer lugar do mundo, exceto na Bíblia.
Aguardem a sequência, kids!
[1]Exploradores como Vicente Pinzón e Américo Vespúcio passaram pelo Brasil antes de Cabral, porém, não tomaram posse deste solo, por pertencerem a Portugal todas as terras, “descobertas ou por descobrir”, localizadas no lado oriental do meridiano situado a 370 léguas a oeste de Cabo Verde; conforme especificava o Tratado de Tordesilhas. Para maiores informações: KANTOR, Íris. Usos diplomáticos da ilha-Brasil: polêmicas cartográficas e historiográficas. Disponível na Internet em: http://www.scielo.br/pdf/vh/v23n37/v23n37a05.pdf. Último acesso em 26 de fevereiro de 2010.