quinta-feira, 27 de maio de 2010

O que é santidade? III

Atente para uma coisa: Buscar santidade pode fazer com que você nunca a alcance!

Há sérios problemas em se buscar santidade. Um deles é que muitos acham que o caminho correto para chegar a ela é o do passar a fazer algumas coisas e deixar de fazer outras. Raciocinam desta maneira: “Tenho que mudar meu comportamento, deixar de fazer isso e aquilo, se quiser ser santo e ir para o céu”.


Atenção: Tal raciocínio só poderá lhe levar a dois caminhos:

1) Frustração, se você não possuir autocontrole para, aparentemente, vencer o pecado.

2) Soberba, se você possuir autocontrole (coisa que até incrédulos podem ter). Caso seja uma pessoa naturalmente auto-determinada, a soberba poderá lhe sobrevir por você conseguir controlar aqueles pecados mais nítidos, enquanto as pessoas menos disciplinadas caem no pecado, à vista de todos.


O caminho da soberba traz consigo a hipocrisia. Você não mais bebe ou adultera, porém, não perdoa seu próximo, costuma falar ou pensar apenas o mal das pessoas, seus próprios interesses são sua prioridade, enxerga-se como melhor, mais sábio, mais santo do que os que não são tão determinados quanto você, orgulha-se por sua santidade, ou outras coisas do gênero. Você continua no pecado. Porém, como se nada estivesse acontecendo, dedica-se àqueles pecados, por assim dizer, menos barulhentos.


Se você baseia seu cristianismo na maneira como você se comporta, mais cedo ou mais tarde enveredará por um desses dois caminhos. É o destino de qualquer pessoa que baseia sua vida no que ela faz, e não no que Cristo fez e faz por ela.

A questão da "soberba cristã" já foi um pouco abordada em Porque não suporto crentes e Onde estão os fariseus do mundo?. Sendo assim, vamos nos deter um pouco na questão da frustração.

Quantas pessoas não abandonam, pensam, ou já pensaram, em abandonar o cristianismo porque, segundo elas, não têm alcançado resultado? Ora, mas que tipo de resultado elas esperam? Nem falo daquelas que esperam casa na praia e carro do ano. Falo das que se frustram porque não têm alcançado “santidade”. Pior que essa santidade é definida e medida segundo o critério humano, não segundo o critério bíblico.

Muitos se indignam com a Teologia da Prosperidade, mas apenas quando ela abrange o campo material. Contudo, devemos também tomar certo cuidado com a tácita Teologia da Prosperidade Espiritual. Obviamente, prosperidade espiritual é um alvo bem mais nobre. E, justamente por isso, muitos caem.

Um dos problemas está em limitar espiritualidade à santidade. Santidade é um fruto da vida espiritual, não a vida espiritual em si. Vida espiritual consiste em conhecer o caráter de Cristo (Os6:3; Jo17:3). A impressão progressiva do caráter de Cristo no nosso (santificação) é o resultado natural de conhecê-Lo.

Assim, santidade faz parte da vida espiritual, mas tão-somente como resultado, como fruto. E tem gente perdendo o tempo e a paz esperando frutos, enquanto deveria preocupar-se em deixar o Espírito Santo regar a semente e cultivar a planta.

Cristo diz: “Vós, fariseus, limpais o exterior do copo e do prato; mas o vosso interior está cheio de rapina e perversidade” (Lc11:39); “Fariseu cego, limpa primeiro o interior do copo, para que também o seu exterior fique limpo!” (Mt23:26). Todavia, ainda assim as pessoas se angustiam esperando modificação de fora para dentro, enquanto deveriam esperar modificação de dentro para fora.

Isso acontece porque geralmente não entendemos, quando muito possuímos um entendimento meramente intelectual, daquela velha e verdadeira história de que o santo não faz o bem para ser santo, ele faz o bem por ser santo. A Bíblia diz que “a boca fala do que está cheio o coração” (Mt11:34), ou seja, aquilo que você é em seu interior é o que transborda para o exterior, e não o contrário. 

Para os que ainda não entenderam tal conceito, Jesus tem mais algumas palavras: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque sois semelhantes aos sepulcros caiados, que, por fora, se mostram belos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda imundícia!” (Mt23:27).

Notemos que Pedro afirma: “Visto que todas essas coisas hão de ser assim desfeitas, deveis ser tais como os que vivem em santo procedimento e piedade” (2Pd3:11). Por passagens como essa, muitos depreendem que devem buscar santidade, o que não está de todo errado, até porque a Bíblia diz que sem santificação “ninguém verá o Senhor” (Hb12:14). A mais pura verdade! Falso é colocar a santidade como anterior a um relacionamento diário com Cristo e como foco principal da vida cristã.


Veja que Pedro, poucas sentenças depois, preocupa-se em encerrar sua epístola com as seguintes palavras: “Antes, crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2Pd3:18). Nosso esforço, primeira e principalmente, deve concentrar-se nisso, não em santificação. Os únicos que serão achados vivendo “em santo procedimento e piedade” por ocasião da volta de Cristo serão aqueles que estiveram ocupados em relacionar-se com Ele, em conhecê-Lo.

Aliás, Pedro não só se preocupa em encerrar sua epístola com essa ideia que estamos expondo, como também em iniciá-la. Quer ver? Dá uma olhada no  capitulo 1: “Visto como, pelo seu divino poder, nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude” (1Pd1:3). Então, como chegamos “à vida e à piedade”? Mais uma vez, “pelo conhecimento completo” de Cristo. E é impossível conhecer alguém sem relacionar-se com esse alguém.


Portanto, biblicamente, não resta dúvida, não é mesmo? Se você quer ser santo, o caminho não é procurar ouvir músicas “santas”, andar com pessoas “santas”, comer coisas “santas”, vestir roupas “santas”. O caminho para a santidade é permanecer no Santo, Jesus Cristo.

Como fazer isso? Já lemos no primeiro texto desta série que I Timóteo 4:4 e 5 afirma que isso se dá pela “Palavra de Deus e pela oração”. O que passar disso vem do Maligno, pois, a Bíblia nunca colocou o alcançar santidade em termos de como você se comporta, mas em termos de com quem você se relaciona, de quem você é amigo (Tg4:4).

Entendo que não seja fácil confiar em minha sanidade mental, mas não é o caso agora. Nunca estive tão lúcida como no momento em que escrevo estas palavras. Embora talvez pareça chocante para alguns, é bom deixarmos mais do que claro que o santo não se preocupa em ser santo. Simplesmente porque essa não é a preocupação dele, essa é a "preocupação" de Deus em relação a ele. O santo se "preocupa" apenas em buscar a Deus, o restante vem como acréscimo. “Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt6:33).

Não foi Deus quem prometeu me santificar? Então, Ele que se preocupe com isso. E não é presunção pensar assim, ao contrário, presunção é achar que o Soberano do Universo precisa da minha e da sua ajuda, mesmo quando não a pediu.

"Mas fomos 'chamados para ser santos' (Rm1:7; 1Co1:2)". Sim, chamados para que DEUS nos torne santos, não para que gastemos nossos esforços com algo que só Ele pode fazer.

Temos que aprender a descansar nEle não apenas quanto ao suprimento de bênçãos materiais, mas também quanto às bênçãos espirituais. “E, o meu DEUS, segundo a sua riqueza em glória, há de suprir, em Cristo Jesus, CADA UMA de vossas necessidades” (Fp4:19).

Alguns conseguem descansar nEle quanto a saber que Ele não lhes deixará morrer de fome ou quanto à concessão de qualquer outra benção material, mas, incrivelmente, andam ansiosos quanto à concessão de algo no qual nosso Pai está muito mais interessado em mos comceder: nosso sustento espiritual. “Não andeis ansiosos de COISA ALGUMA; em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças” (Fp4:6).

Permanecer nEle e deixar que ELE se preocupe e trabalhe em sua santidade é uma faceta daquela maneira que a Bíblia lhe incita a andar: “lançando sobre Ele toda a vossa ansiedade [inclusive quanto à sua santidade], porque Ele tem cuidado de vós” (1Pd5:7). Creia nisso e viva!


Leia também os outros textos desta série

quarta-feira, 19 de maio de 2010

O que é santidade? II

Voltamos com nosso bê-a-bá da santidade. 

No texto anterior desta série, vimos que devemos fugir da ideia de que santidade é algo impossível. Uma vez sabedores disso, fatalmente refletimos: “Deve haver uma maneira de se caracterizar um santo!”

Será que é a vocação pelo estoicismo que faz alguém ser santo? Porque nos é ensinado que se você não se contenta com um sermão raso num culto medíocre, significa que sua vida espiritual não anda lá essas coisas. Quanto mais um culto maçante testa seus nervos, mais santo lhe faz ou indica que você é. Quanto mais humildemente (indigentemente) você se arruma, mais santo você é. Quanto mais gente sem noção você aguenta sem dar nenhuma repreensão; ou - dependendo da escola de santidade em que você esteja inserido - quanto mais você distribui repreensões aos pecadores, mais santo você é.

Apesar da Bíblia não se alinhar à idéia de que santidade é irrelevante, também nunca a definiu em termos de não pecar, ser passivo diante de injustiças ou amar mais a regras do que a seres humanos, como pensam alguns.

Para conseguirmos entender melhor o conceito de santidade, vamos aliá-lo a um conceito não sinônimo, porém próximo e um pouco mais vastamente explorado na Bíblia: o conceito de justiça.

Para fins práticos, pode-se dizer que alguém santo é alguém justo. O santo ou justo é o único que possui verdadeira identidade e senso de valor próprio, pois constrói essas coisas na base mais firme que pode haver: Cristo.

Ele possui uma auto-estima equilibrada não por fé em si mesmo, mas por fé no valor que Deus confere a ele (Dt32:10; Os11:1-9; Jr9:24; Lc12:6-7; Rm7:24). Na verdade, o justo vive em constante desconfiança de si mesmo (Jr17:5 e 9; Fp3:4-7). Sabe que há um monstro dentro de si que só pode ser aplacado pela fé no que Cristo fez na cruz (Rm3:10-18, 7:19). 


O santo sabe ser impossível que algo bom proceda de si mesmo. É alguém que sabe que nasceu totalmente depravado e que todos os seus atos e pensamentos, até os mais insuspeitos, são mesquinhos e egoístas, são pecado se não provém de fé, pois, “tudo o que não provém de fé é pecado” (Rm14:23). Sabe que TUDO o que procede de si mesmo, até mesmo a sua JUSTIÇA é trapo de imundície (Is64:6), pois tudo o que é de fato puro, “toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto” (Tg1:17).

O santo é um paradoxo porque, apesar de tudo isso é bem-aventurado. Aliás, o saber de tudo isso o faz ser bem-aventurado, pois ele não precisa mais fingir para si mesmo nem para os outros. Por isso, santo é aquele que adquiriu verdadeira autenticidade e felicidade (Fp4:3-7), porque, apesar de reconhecer toda a sua indignidade, sabe que Deus não está furioso com ele nem pronto a condená-lo (Jo8:11; 12:47; Rm8:1). E para começar a entender esse mistério infinito é imprescindível viver aquilo que Deus diz em Hebreus 10:38: “O meu justo viverá pela fé”.
 

O santo vive a boa e desejável tensão entre a insatisfação consigo mesmo e satisfação de estar em Cristo. A tensão entre o conforto da salvação (Jo14:27) e a inconformação com este mundo (Rm12:2). 

Quanto mais nos aproximamos de Cristo, mas santos nos tornamos (Pv4:18). Isso significa que, à medida que nos aproximamos dEle, mais cônscios seremos de nossas próprias debilidades e fraquezas (Is6:5), bem como mais paz teremos ao saber que estamos no lugar certo: firmando-nos no Único que pode mudar nossa fraqueza em força (2Co12:19), nosso coração de pedra em coração de carne (Ez11:19).

Esses dois últimos textos foram apenas a introdução do quem vem por aí. A coisa ainda vai afunilar um pouco nesse nosso mini-curso de santidade para iniciantes. Até mais.


Leia também os outros textos desta série

quinta-feira, 13 de maio de 2010

O que é santidade?

No embalo da tal Semana Santa [faz tempo, hein?], fiquei pensando aqui comigo mesma sobre o significado da palavra “santidade” e lembrei-me de algumas histórias. 
        
Minha mãe dizia que, quando adolescente, uma senhora amiga da família sempre lhe perguntava com muito interesse: “Ô, Toinha! Tu és santa? É que estás sempre tão quieta e nunca te vi ir ao banheiro!”.  
       
Dona Dorinha, pessoa simples, do interior, que trabalha aqui em casa há alguns anos, costuma falar que “tem crente que só quer ser santo” e arremata dizendo: “Nunca vi santo comer farinha!”. 

Na cabeça de Dona Dorinha e daquela amiga da minha mãe, santos não se alimentam nem têm necessidades fisiológicas. Creio não precisar dizer que essas duas humildes senhoras utilizaram conceitos medievos e anti-bíblicos do termo “santo”. Infelizmente, não são apenas as pessoas de pouca instrução escolar e/ou bíblica que o fazem. A concepção católica medieval de santidade fez um estrago danado na cristandade em geral!
         
Porém, sejamos justos, ideias biblicamente equivocadas sobre santidade não são apenas culpa da herança católica. A natureza de tais equívocos nos remete à própria natureza humana.
          
Muitos cristãos evangélicos e protestantes riem-se da ingenuidade dos católicos acerca das indulgências e intercessão dos santos no céu, porém, têm crido que santo é alguém impecável, sobre-humano. Baseado em quê chegam a tal conclusão, não faço ideia. Só sei que convenceu a muitos.
        
Alguns vão ao extremo de dizer que santo só Jesus (boa desculpa a fim de sentirem-se à vontade para dar vazão à sua natureza pecaminosa!). Se assim fosse, Jesus seria louco ou mentiroso por querer de nós algo que não podemos alcançar. “Pelo contrário, segundo é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos também vós mesmos em todo o vosso procedimento, porque escrito está: ‘Sede santos, porque eu sou santo’” (1Pd1:16 e 16. Ver também 1Co1:2).
   
Santidade não é algo que os outros, ou que você acha que é; santidade é o que Deus diz que é. Explico... É assim: nesse quesito, só a opinião de Deus importa. Não interessa o quanto outros digam, ou o quanto você se ache, miserável; se você tem buscado a Deus diariamente, você é santo para Deus, “pois tudo que Deus criou é bom, e, recebido com ações de graças, nada é recusável, porque, pela palavra de Deus e pela oração, é santificado” (1Tm4:4 e 5). Também não importa o quanto outros digam, ou o quanto você se ache, santo; se você não busca a Deus como se sua vida dependesse disso (pois realmente depende), você não é santo.
      
Outro conceito equivocado é o de que a santidade hoje é apenas para alguns, a maioria dos cristãos só a alcançará na glorificação, quando Cristo vier. Todavia, a Bíblia trata a santidade como algo real no dia a dia do cristão: “Já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus” (Ef2:19). Pois, onde Cristo chega, nada fica como era antes. É impossível que alguém ande com Cristo a cada dia e não seja cada dia mais parecido com Ele (2Co3:18). Santidade é algo para agora.
      
Este texto abre uma pequena série de textos sobre santidade, dentro da nossa série maior sobre conceitos. Provavelmente, eu já mate a expectativa de muitos ao dizer isso, mas é possível que alguns achem os textos desta minissérie óbvios e repetitivos. O que pode até ser um bom sinal, pois, talvez signifique que já conheçam e pratiquem tais princípios.
       
Contudo, peço licença para escrever aos iniciantes no assunto. Para estes é necessária uma exposição um tanto paulatina, a fim de desprogramar a mente de tantas ideias canhestras acerca do tema.
          
Durante muito tempo, mitos sobre santidade têm assolado o cristianismo. Pessoas em todo o mundo têm vacilado ou abandonado a fé por conta deles. Estaria você imune? Bem, sinceramente, eu não teria a petulância de me considerar assim ("Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia". 1Co10:12. Ver também 1Pd5:8).

Convido você a identificar mais alguns mitos sutis sobre santidade e a estar escudado na Palavra a fim de proteger-se deles.


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Figura: Santa Maria Goretti (1890-1902), patrona das vítimas de estupro. Ao sofrer tentativa de violência sexual, preferiu ser morta a ter sua castidade violada.




Este post faz parte da série "A importância dos conceitos". Leia também os outros textos da série.