quarta-feira, 24 de março de 2010

O que é alma?

Muitos, ao lerem na Bíblia a palavra alma, o fazem com a mente repleta de filosofias para as quais alma significa uma entidade extracorpórea, porém pensante e imortal. Todavia, caso lessem a Bíblia sem essas filosofias sutil e profundamente arraigadas na mente, entenderiam [basta clicar nas passagens para lê-las. Leia mesmo, tive um trabalho danado para pôr link em todas]...

1) Que alma é a união do corpo com o fôlego de vida (Gn 2.7). Quando ambos se uniram na criação, o homem “passou a ser alma”, e não passou a ter uma alma (1Co 15.45). Ou seja, almas são as próprias  pessoas e...
(2) não entidades imortais que saem do corpo e continuam conscientes após a morte. Pois, a alma é mortal (Sl 56.13; 86.13; 116.8; Ez 18.4 e 20; Tg 5.20), visto que Deus é o único que possui imortalidade” (1Tm 6.16) e é mediante Cristo que podemos chegar a possui-la (2Tm 1.10). Imortalidade não é algo inerente à criatura per se.
(3) Que os mortos não vagam por aí e que nada sabem (Jó 7.9-10; Sl. 6.5; 115.17; 146.4; Ec 9.5-10).
(4) Que esse fôlego de vida que há em nós é o mero sopro de Deus, o qual nada tem de especial: os próprios animais possuem exatamente o mesmo fôlego que o nosso (Ec 3.19-21).
(5) Que a morte é como um sono (Jo 11.11-14; At 7.60; 1Co 11.30; 15.6, 18, 20 e 51; 1Ts 4.13-15) e que é na ressurreição, “naquele dia”, o dia da vinda de Cristo, que a Bíblia deposita toda e qualquer sentença aos homens, toda e qualquer esperança de encontrar-se com Cristo, e não no momento logo após a morte (Jo 5.28-29; Lc 14.14; Jo 11.24-26; 14:1-3; 1Co 15.16-19, 51 e 52; 1Ts 4.13-18; 2Tm 1.12; 4.8).
(6) Que Deus não poderia ser definido como amor caso deixasse bilhões de Suas criaturas queimando por toda a eternidade, todos os dias, o dia todo, ao longo de trilhões e trilhões de anos em agonia sem fim, em virtude de algumas décadas de pecado que elas cometeram neste mundo. Nem eu faria isso! Eu que não presto, deixaria queimar por, no máximo, 999872454 bilhões de anos; a eternidade toda já é demais, né? Isto é o que lhes acontecerá: deixarão de existir (Ml 4.1; 1Ts 1.9-10).

Há ainda outros sentidos para as palavras nephesh (hebraico) e psyché (grego), as quais são traduzidas como alma. Em todas as passagens abaixo, no original bíblico, constam nephesh (se for no Velho Testamento) ou psyché (se for no Novo Testamento) com sentidos um pouco distintos.

Vida (Gn 9.4-5; Lv 17.11-14; 1Re 19.14; Jó 6.11; Mt 11.29; 16.26; Mc 3.4; 8.37; Lc 12.20; 2Co 12.15; Hb 10.39, etc.).
Pessoa (Gn 36.6; 46.15, 18, 22, 25-26; Lv 17.10, 12, 15; Je 52.29-30; Ez 13.18-20; 22.25; Sl 109.20; Pv 11.30; At 2.41; 3.23; 7.14; 27.37).
Coração (Gn 34.3; 1Sm 20.17; 1Re 11.37; At 2.43).

Assim, embora a palavra alma não possua apenas um significado, veja que em absolutamente lugar algum é possível encontrá-la sendo usada como pretendendo significar alguma entidade extracorpórea e pensante, muito menos imortal.

Esta verdade acerca do conceito bíblico de alma é bem expressa no imparcial e recomendável “O Livro das Religiões”, de Jostein Gaarder (mesmo autor de “O Mundo de Sofia”).

“Costuma-se apresentar a alma em contraste com o corpo, e muitas religiões mostram um dualismo (a convicção de que algo é dividido em dois), ensinando que o corpo é temporal, e a alma, divina. Um conceito diz que a alma desce de um mundo superior e passa a habitar um corpo. Aí ela se sente trancada, aprisionada pela matéria, e anseia por retornar a suas origens etéreas.

Na história que o Antigo Testamento conta, a saber, que Deus criou o homem do barro e soprou a vida em suas narinas, encontramos outro conceito: na antiga tradição judaica, o homem é visto como um todo...”[1].

“Quando se pergunta o que continua vivo, obtêm-se diversas respostas. Em geral, diz-se que é algo chamado de alma, mas em muitas tribos africanas não existe a divisão corpo e alma. Mesmo no cristianismo, a ‘vida eterna’ não é associada a uma ‘alma eterna’. Menciona-se a ‘ressurreição do corpo’, ou, em outras palavras, a reconstituição da pessoa inteira. E verdade que o cristianismo fala num ‘corpo espiritual’, porém isso serve para enfatizar a idéia de que o homem, após a ressurreição, não se tornará um espírito indefinido”[2] (negrito acrescentado).

Apenas para facilitar o entendimento acerca da concepção bíblica de alma, veja alguns exemplos ilustrativos comumente utilizados:

Lâmpada + energia elétrica = luz. Tanto a lâmpada quanto a eletricidade são indispensáveis para formar a luz que está iluminando o quarto em que estou neste momento. Caso eu retire a lâmpada, fico sem luz. Caso eu desligue o interruptor, impedindo que a corrente elétrica chegue até a lâmpada, também fico sem luz.


 O mesmo raciocínio é válido se quisermos ter uma cadeira, por exemplo.

Enfim, da mesma forma, CORPO + FÔLEGO DE VIDA = ALMA VIVENTE. Retire o corpo ou o fôlego de vida e tudo o que você terá será uma alma morta. Nada com volição, raciocínio ou imortalidade. Assim como a luz não é a lâmpada nem a energia elétrica, mas a união de ambas; a alma não é nem o corpo nem o fôlego de vida, mas a união de ambos. Separe-os e a pessoa deixará de existir, tal como a luz deixa de existir quando a lâmpada e a energia elétrica são separadas.


De onde então surgiu o conceito de uma alma imortal?
Embora alguns dos assim chamados Pais da Igreja não acreditassem em uma alma imortal[3], outros deles abertamente abeberaram-se na filosofia grega pagã, e defendiam a idéia de uma alma imortal com base em conceitos filosóficos pagãos, não na Bíblia.

Confira esse fato neste trecho de um Pai da Igreja, o qual usa sem constrangimentos idéias de Platão para falar acerca da natureza da alma:  

“Porque a essência, que é tanto incolor como disforme, e que não pode ser tocada, que realmente existe e é o piloto da alma, e é vista apenas pelo discernimento; e em volta a espécie do verdadeiro conhecimento ocupa este lugar” (Phaedro, p. 247)[4]

Embora tais palavras pareçam saídas de alguma entrevista com Caetano Veloso, são de Orígenes (185-244 d.C). Esse tipo de mística influenciou permanentemente o pensamento da cristandade.

A Bíblia nunca associou tais conceitos à ideia de alma, logo, a patrística teve de tomar emprestado conceitos da filosofia grega a fim de formular tais passagens. Não que filósofos devam ser terminantemente rejeitados. O problema é quando a dependência  dos grandes filósofos faz o cristão dobrar conceitos bíblicos ao pensamento filosófico. Acontece muito. Afinal, quem quer estar por fora do que pensam os "grandes"? 

Tal costume persiste não apenas na questão da alma. Ao longo desta série, veremos outros tantos casos de assimilação tácita de conceitos estranhos às Escrituras, no seio do cristianismo. Veja que não se pergunta mais se tal idéia é bíblica (assim, com essa ênfase),  mas quais homens de influência a defendem. Aliás, o não-pensar de modo bíblico, o não-pensar de modo geral acerca do propósito e origem das crenças que defendemos, já se tornou tão banal que nem se pergunta mais nada. Não se reflete. Não se questiona. Apenas se absorve conceitos.

Considerações finais

Agora, toda vez que alguém falar de almas como fantasminhas vagando no Céu ou na Terra, você estará apto para discernir que ela está falando de um conceito de alma completamente estranho ao conceito bíblico. Povos pagãos tinham esse conceito, que foi incorporado ao judaísmo e cristianismo.

Reconhecemos que neste assunto há passagens aparentemente controversas - abordaremos cada uma delas qualquer dia. Contudo, há um princípio de interpretação bíblica muito coerente e universalmente aceito pela cristandade em geral: Um texto deve ser interpretado à luz de outro texto que trate da mesma questão. Quando um texto parecer entrar em choque com outro, não se assombre! Procure outro texto, e mais outro e mais outro sobre o mesmo tema. Apenas após a posse do quadro escriturístico total acerca do assunto, você poderá entender o ensinamento bíblico sobre ele. E notará que nunca haverá contradições nos temas essenciais, que tangem à nossa salvação.

Esse método funciona sempre! Faça o teste! Qualquer dúvida, poderemos conversar sobre.

Espero que você continue nos acompanhando nesta jornada de redescobrimento de alguns conceitos bíblicos. As coisas por aqui só tenderão a melhorar (ou piorar). Isso é uma promessa.






[1] J. GAARDER; V. HELLERN & H. NOTAKER. O Livro das Religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p.23.
[2] Idem, p.24.
[3] “A alma não é imortal por natureza, porém pode tornar-se imortal se viver de acordo com a lei de Deus”. New Catholic Encyclopedia, vol.13, p.469, col.1, art. “Soul, Inmortality of”, sobre o pensamento de Irineu, martirizado em 202 ou 203 d.C. Apud, ODOM. Além do conhecido existe vida. 3 ed. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 1995, pág. 119.
[4] Origen. Against celsus. Cap. XIX, ANF, vol. 4, p. 582, col.1. Apud, Idem, pág. 124.

4 comentários:

  1. Mas é a própria professora!!! hehe Super didático!!! Mto bom!!!

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  2. desculpe este atrasildo, mas só hj cheguei por estas bandas. e gostei do teu blog!
    tô vendo que seu último post está fazendo um mês de vida; não deice pra voltar a escrever quando seus alunos enervantes lhe derem trégua, por que esse dia não vai chegar nunca.
    um abraço

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  3. Puxa! Há muito tempo aprecio seu blog! Grande honra receber visita E comentário E elogio seu!

    Concordo com o q vc disse, portanto, post novo na área.

    Abraço.

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  4. Muito bom seu texto.

    Continue nessa linha doutrinária.
    Gostaria de ler um texto seu sobre o espiritismo, completando essa linha de raciocínio exposta aqui.

    Há livros que estão moldando a mente juvenil, como a saga "Crepúsculo", Harry Potter, e, mais recentemente um outro aí que não me lembro o nome, mas é um romance onde um anjo cai do Céu e blá, blá, blá....

    Já indiquei o blog aos jovens da minha igreja. Muitos tem comentado os textos, especialmente os de "Santidade", que eu imprimi e repassei - nada de direitos autorais, ok...?

    Abraços


    Evanildo F. Carvalho

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