quinta-feira, 3 de junho de 2010

O que é santidade? IV

Vimos até aqui que o chamado à santidade é algo real e possível na vida de todo verdadeiro cristão.

Vimos também que DEUS é quem provê nossa santidade, por isso, não devemos nos preocupar especificamente em buscá-la, mas em permanecer nEle, e todo o restante - inclusive a santidade - vem por tabela.

É bom dizermos que alguns tomam a santidade como sinônimo de relacionamento com Cristo. Embora eu considere mais adequado colocá-los em níveis distintos, reconheço que, se você chama o seu relacionamento com Cristo de santificação, comunhão, cristofagia (sei lá, acabei de inventar), ou o que for, no fim das contas não importa; o que importa é se você se relaciona com Ele ou não. Até porque temos mais o que fazer do que ficar discutindo minúcias semânticas, né?

Então, se você quer chamar sua comunhão de santificação, mesmo que eu não considere este o emprego mais ajustado do termo, digo a você: “Vai fundo, meu amigo! Busque essa comunhão que você, por algum motivo, denomina de santificação”.

O que não dá é continuarmos achando, mesmo que não teoricamente, que alguma mudança pode ocorrer em nosso caráter se abandonarmos tal e tal coisa. É CRISTO quem muda seu caráter à medida que você contempla o caráter dEle (2Co3:18), inclusive retirando progressivamente do seu comportamento tudo aquilo que não agrada a Deus, por ser nocivo a você. Todo o resto é conversa fiada.

Sim, repetirei isso à exaustão e farei uma lavagem cerebral nos leitores com essa história. Porque chega, né? Dentro do perfil crente que a cristandade tem apresentado ao mundo, praticamente, ou se é libertino ou obcecado por “santificação”, como se isso fosse a finalidade de todas as coisas.

Visto que essa ideia está enraizada no imaginário popular cristão desde sabe-se lá quando, vou repetir neste blog a ideia de que nosso alvo NÃO é a santificação, como se não houvesse amanhã.

Biblicamente, é a presença de Deus que santifica algo ou alguém (Êx3:5; 1Co6:19), e não a presença ou ausência de determinados comportamentos. Eles podem apenas ser indicadores de se você tem permanecido nEle ou não. Só isso. Santidade não pode ser alcançada enquanto a condicionamos a coisas e comportamento, ao invés de condicioná-la a uma Pessoa e relacionamento.

No post anterior, vimos que a santidade é um fruto, não foi? Biblicamente, biblicamente (sim, porque eu amo ser chata repetindo essa palavra, na prática, tão esquecida), para quê serve um fruto? Ouçamos a resposta de Cristo: “Pelos seus frutos os conhecereis” (Mt7:16, 20); “porque pelo fruto se conhece a árvore” (Mt12:33). Ou seja, um fruto serve para indicar se estamos em Cristo, pois Ele também disse: “Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto” (Jo15:5).

Veja, o fruto não faz o ramo permanecer na videira. O fruto apenas indica se o ramo está totalmente ligado à videira. Viver uma vida de santidade não liga você a Cristo, apenas indica se você está nEle, pois "se alguém está em Cristo, é nova criatura" (2Co5:17).

Claro que quanto mais você se aproximar de Cristo, mais santificada será sua vida; e com uma vida mais santificada, mais você estará em condições de contemplá-Lo mais de perto. É um ciclo, ilustrado abaixo por meio do seguinte esquema (by Tartarugas Ninja. Só falta a cor azul):


Essa luta por alcançar santidade não é de todo infundada. Por textos como: "Esmurro o meu corpo e o reduzo à escravidão, para que, tendo pregado a outros, não venha eu mesmo a ser desqualificado" (1Co9:27), alguns creem que devem  martirizar-se para alcançar santidade. Cuidado! A má interpretação de textos como esse também fizeram a festa na Idade Média para "embasar biblicamente" toda a teologia da autoflagelação e indulgências; as quais sobrevivem até hoje, por meio desses conceitos anti-bíblicos e cretinos de santidade que nos são ministrados.

Santidade não é algo que produzimos mediante luta, treino, exercício ou disciplina. Não somos capazes disso, pois, a "nossa luta não é contra o sangue e a carne, e, sim, contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes" (Ef6:12).

Um autor cristão chamado Morris Venden, comenta:  

“Se não estamos sequer combatendo carne e sangue, então como podemos lutar? Como se combate um espírito? Há somente uma maneira. Você terá que se valer do auxílio de outro Espírito para realizar o combate por você. E é isso que Deus prometeu fazer por nós”[1].

Essa luta não é sua, meu amigo, é de Deus. Tudo o que Ele quer é uma oportunidade de lutar por você essa batalha que Ele já venceu naquele dia em que o único sangue santo e inocente do mundo escorreu naquela cruz do calvário. Sua luta é reconhecer sua impotência para a luta e permitir que Deus lute por você.

Você não deve entregar parte da luta, deve entregar a luta TODA a Cristo e ocupar-se em lutar a luta que realmente nos cabe.

A luta do cristão, ao contrário do que podem pensar alguns, não é em prol de sua Redenção, mas de sua Rendição. É a luta para renunciar o eu (1Co9:27; 15:31; Gl2:19-20), reconhecer nossa dependência obrigatória de Cristo e ir a Ele todos os dias a fim de conhecer melhor Aquele que é tão imensamente gracioso para conosco.

E claro, não podemos esquecer que até mesmo nessa luta de entregar a luta a Deus é Deus quem nos concede a vitória, já que não temos forças nem mesmo para querer ir a Ele, “porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” (Fp2:13), pois "tudo provém de Deus" (2Co5:18), "toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto" (Tg1:17).

Muitos ficam temerosos ante a ideia de não atrelarmos santidade à luta pela ausência total de pecado. Porém, garanto que só o fazemos porque a Bíblia o faz. Biblicamente, os santos, os justos  também podem vir a pecar, mas, quando isso acontece, há uma tristeza tão inominável no coração dele que o faz imediatamente correr de volta aos braços do Pai.

Sabe, o justo e o injusto estão muito próximos e também muito distantes. Morris Venden costuma dizer que “a semelhança entre o justo e o ímpio é que ambos pecam, mas a diferença é que o justo sabe chegar ao arrependimento”. E essa não é apenas uma bela frase, ela está confirmada em 1 João 2:1: “Filhinhos meus, estas coisas vos escrevo para que não pequeis. Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo”.

Paulo também descreve isso de certa forma. Leia com atenção: “Não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço. (...) Porque, no tocante ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo, nos meus membros, outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros. Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte? Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor. De maneira que eu, de mim mesmo, com a mente, sou escravo da lei de Deus, mas, segundo a carne, da lei do pecado. Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Rm7:19 e 20 a 8:1). Veja que Paulo estava em Cristo Jesus, não mais havia condenação para ele, embora, vez por outra, consentisse que sua natureza carnal tomasse o controle.

Quando todos entendermos que o propósito da vida cristã não é permanecer justo, e sim, permanecer nO Justo (1Jo2:9) e quando entendermos a diferença brutal entre essas duas coisas, aí saberemos o que é paz genuína. Aquela espécie de paz “que excede todo o entendimento” (Fp4:7), ao invés de viver a farsa do cristianismo cuja principal mensagem é: “Santifique-se”.

Digo farsa porque esse não é o Evangelho. O Evangelho – sempre me ensinaram que significa “boa-nova” – são as boas-novas de salvação, as boas-novas de que você não precisa mais fingir ser o que não é, mas pode ser tudo o que precisa ser em Cristo Jesus. E, obviamente, a santidade vem quando você recebe e aceita o Evangelho genuíno, a verdadeira boa-nova. A mudança de vida é um resultado inevitável na caminhada dos que interiorizam o Evangelho em sua alma, mas NÃO é O Evangelho.


[1] VENDEN, Morris L. 95 Teses Sobre Justificação Pela Fé. Casa Publicadora Brasileira. Tatuí: 2000, p. 205.


Leia também os outros textos desta série

3 comentários:

  1. Seu blog tá tudo de bom, e esse post então, nem se fala! Só tá faltando uma coisa pra ele ficar perfeito: colocar o link do meu outro blog, o das meditações hehehe - http://bit.ly/c0Ozns
    Bj no olho! :P

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  2. Se eu não conhecesse, ainda que virtualmente, a autora desse texto, diria que ela fez o último post de propósito!!!!!!
    Pô, Vanedja, tem que postar esse texto bem n dia do meu aniversário? Foi endereçado a mim?
    Estou brincando, claro!!!
    Falando sério...
    Penso o seguinte:
    A cada passo que o ser humano dá em direção à santidade, ele se coloca em terreno proporcionalmente antagônico à corrente secular. Estou falando da definição bíblica de santidade, claro.
    É evidente que todo o processo começa e termina em Jesus, as a participação humana é de suma importancia no PERMITIR que a "boa obra que começou" seja levada a efeito. Essa obra, ademais de ser de autoria divina, não exclui a anuência humana. E quanto mais o homem permite a ação divina, mais na contramão deste século ele se porá.
    Apetites, desejos, paixões, gostos, gestos, pensamentos....
    Ilustro minha leitura com alguns excertos do livro "SANTIFICAÇÂO" de Ellen White.

    "A santificação exposta nas Sagradas Escrituras tem que ver com o ser todo - as partes espiritual, física e moral. Eis a verdadeira idéia sobre a consagração perfeita. Paulo ora para que a igreja em Tessalônica possa desfrutar esta grande bênção: "E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo." I Tess. 5:23 PÁGINA 7

    "Aqueles que estão realmente buscando o perfeito caráter cristão, jamais condescenderão com o pensamento de que estão sem pecado. Sua vida pode ser irrepreensível; podem estar vivendo como representantes da verdade que aceitaram; porém, quanto mais consagram a mente para se demorar no caráter de Cristo e mais se aproximam de Sua divina imagem, tanto mais claramente discernirão Sua imaculada perfeição e mais profundamente sentirão seus próprios defeitos."
    IDEM

    " Quando as pessoas alegam que estão santificadas, dão suficiente evidência de estar bem longe de serem santas. Deixam de ver sua própria fraqueza e desamparo. Olham para si mesmas como refletindo a imagem de Cristo, porque não têm verdadeiro conhecimento dEle. Quanto maior a distância entre elas e seu Salvador, tanto mais justas se parecem aos próprios olhos.
    PÁGINA 8

    Recomendo a leitura integral da obra.

    Muito se tem debatido, nos círculos cristãos, a aplicação da santificação no viver diário. Existe, mesmo entre nós, correntes que pregam a total e completa santidade instantânea (essa corrente é portadora de heresias sutis e bem elaboradas), sem no entanto negar a participação de Cristo. Há, também, os que pregam a inviabilidade da santificação, apelando apenas para a Justificação Pela Fé, como sendo a suma de todo o processo salvífico. EU tenho certa ojeriza por essa linha de pensamento...
    No centro do ponto de equilíbrio jaz a verdade de que a verdadeira santidade, como EGW mencionou, jamais é auto-atribuída ou auto-gerada. Pessoas que adotam uma postura condenatória, depreciativa, desconfiada de seus irmãos caem, inevitavelmente, no dizer de Cristo sobre as 'árvores e seus frutos'. provam o contrário de suas afirmações.
    A verdaeira santidade fica como sendo uma contínua e gradual dependência de Cristo. Nas palavras de Paulo em Gálatas 3, é "Cristo que vive em mim. E esse viver que levo na carne (aspecto exteriror que testifica da transformação interior), vivo pela fé no Filho de Deus"....

    Santidade é muito mais um caminho sendo percorrido que um ponto final, um patamar completo.
    É pela fé, de acordo com o grau de dependência.

    Abraços

    Evanildo F. Carvalho

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  3. Esse livro é EXCELENTE! Tem muita coisa nele que eu queria a aproveitar aqui. Mas, para não cair na tentação de me dedicar mto a ele durante os posts, deixei pra depois.

    Valeu pela recomendação, Evanildo.

    Leitores, escutem Evanildo. Leiam o livro Santificação, de Ellen G. White. É fininho, profundo e barato.

    Vc pode pedi-lo por aqui: http://www.cpb.com.br/produto-148-santificacao.html

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