terça-feira, 6 de março de 2012

Hipocrisia e ignorância em nome de Jesus

Anatomia crente
Tem circulado no Facebook uma campanha com uma seta que aponta para a foto de quem a divulga, dizendo: "Esta pessoa abomina o novo comercial do energético Rede Bull". No caso, este comercial aqui.

Tal campanha exige em caps lock: "RETIREM ESTE COMERCIAL DO AR". Após tanto me deparar com essa e outras similares, faço algumas considerações.

Liberdade de expressão hipócrita
Você tem todo o direito de não gostar de algo, mas o que lhe faz pensar que tem o direito de vetar esse algo a outros pelo simples fato de você não gostar? Vejo o tempo todo evangélicos intolerarem ou escarnecerem umbandistas, espíritas, católicos... Mas quando são eles o alvo da intolerância ou escárnio, aaaah... Aí não pode. São intocáveis.

Liberdade religiosa é o direito de professar uma crença (QUALQUER UMA), e não tolher a liberdade de expressão do outro simplesmente porque você não gosta da opinião dele.

Curioso que crentes[1] querem liberdade de expressão berrando aos quatro ventos que homossexuais são aberrações, endemoniados, etc. Mas ai de quem, de posse do mesmo direito que eles tanto evocam, manifestar a opinião de que a Bíblia é nociva, por exemplo.

Por que não assumem: "Sou evangélico e sou a favor da liberdade de expressão... Desde que seja a minha"? Seria menos hipócrita. Ou esquecem como o Cristo que afirmam seguir condenou duramente a hipocrisia (Mt 6.2,5,16; 15.7-8; 23.13-15,25-29; 24.51; Lc 11.44)?

Por que assistir e a ingenuidade
Se você não gosta, discorda, chora lágrimas de sangue ao assistir a um comercial desse, a solução é simples: NÃO ASSISTA. Ou a Red Bull lhe aponta um 38 a cada exibição? Dica: leia o manual da sua TV, ele lhe dará instruções sobre como mudar de canal ou desligá-la.

Tenho uma ideia: por que você não vai ler sua Bíblia, ajudar um doente, fazer a obra que Cristo lhe mandou fazer e sai um pouco de frente da TV? Pronto. Resolvido. Não precisa impingir algo a todos só porque esse algo ofende a VOCÊ.

E a ingenuidade (ia dizer burrice, mas sei lá, eles se ofendem com tudo, né?) é tão grande que não percebem que campanhas como essa só fazem o odiado comercial se proliferar mais. Eu mesma, como mal vejo TV, talvez nem ficasse sabendo dele não fosse a competente divulgação da crentaiada. Parabéns! A Red Bull Ltda. agradece!

Desinformação, vitimização e petulância
Segundo a campanha no Facebook, "não vemos ironia parecida com símbolos de outras religiões, como a 'Virgem' Maria, Buda, Maomé [...] mas com JESUS CRISTO fazem um comercial desse??". Não os ironizam? Veja o que faz a falta de informação aliada a achar que o mundo gira em torno do seu umbigo. Há muitas (mas muitas mesmo) charges e piadas com Maria, o Papa e toda sorte de santos católicos. No Brasil, são raras as envolvendo Buda ou Maomé, já que eles não fazem tanto parte do nosso cotidiano, mas quem não se lembra da confusão que deu quando um canadense fez charges retratando Maomé?

Crentes, por gentileza, vamos ler, informar-nos... Sei lá, causar menos vergonha a, literalmente, Deus e o mundo?

E, como assim "não vemos ironia parecida com símbolos de outras religiões, como a 'Virgem' Maria..."? Quer dizer que quando se fala contra Cristo não se atinge também católicos? Quer dizer que eles são de outra religião, não são cristãos? Como se Cristo fosse monopólio deles. Nunca fui católica, mas isso não é petulância, não, caros seguidores do mestre da humildade (Mt 11.29)?

Interpretação precária
Segundo a interpretação crente do comercial, "Jesus diz que não foi MILAGRE e que ele estava pisando em pedras por isso não afundava". Colocam essa ênfase na palavra "milagre", como se a preocupação do comercial fosse argumentar que Jesus não operou milagres, ou que na ocasião do famigerado relato bíblico não houve milagre algum.

Contudo, assistindo à peça publicitária em questão, vê-se que o intuito ali não é ridicularizar uma história bíblica. Não é a famosa cena dos evangelhos a cena ali retratada, mas apenas um momento comum entre o Jesus do desenho e seus discípulos. Se a intenção foi mesmo ironizar a Cristo como operador de milagres, os publicitários foram bem incompetentes, tanto que um dos discípulos pergunta: "Seria, então, MAIS UM milagre?". Ou seja, o mais natural é concluir que o discípulo já havia presenciado milagres da parte dele.

O comercial apenas brinca mostrando algo um tanto inusitado para o que se espera de uma cena religiosa: um Jesus de fala moderna e que não vive de fazer milagre o tempo todo, que naquela ocasião (do comercial, não da Bíblia) só estava usando as pedras do lago.

Talvez, se os crentes gastassem mais tempo lendo do que vendo TV ou Facebook, não teriam tanta dificuldade de interpretação.

Respeito
E se fosse mesmo uma galhofa contra Jesus? Olha, lamento informar, mas não é tirando um comercial do ar que você fará com que isso diminua. Como se diz, "respeito não se impõe, se conquista". Por que você não se preocupa em conquistar respeito usando evidências sérias de que a Bíblia é um livro fidedigno, sendo, portanto, tolice ridicularizá-la? Ah, porque isso é difícil, né? Demanda tempo, pesquisa... Muito mais fácil fazer campanhazinha no Facebook, não é mesmo? Mais fácil e mais inútil, diga-se de passagem. Ou você acha que vão pensar: "Nossa! A propaganda saiu do ar! Esses crentes realmente são dignos de respeito!".

Por que você não se preocupa em conquistar respeito fazendo a diferença na sociedade? Sendo alguém solidário e pensante, desfazendo assim o estereótipo (grande parte das vezes, mais do que merecido) de que crente é um acéfalo alienado? "Que nada! 'Vamo' é compartilhar idiotice no face. Muito mais respeitável". Vocês acham mesmo que serão levados a sério assim?

Influência
"Adultos tem como se defender/entender, mas isso é uma má influência às crianças", ouvi. Seus filhos crescerão rodeados de más influências. Importante mesmo é que elas não venham de você. Quanto ao mais, não há muito o que você possa fazer. Aceite isso. Quanto mais você colocá-los numa redoma, menos defesas eles terão no inevitável confronto com elas na vida real. Assim é que grande parte das crianças não cresce preparada para lidar com as diversas influências do mundo. Não à toa, muitos perdem a fé quando chegam à universidade. Óbvio! Foram criados alheios a tudo, superprotegidos de más influências como se elas não existissem. Não lhes deram a chance de criar imunidade com os pais ao lado instruindo, assim, quando sozinhos diante delas não sabem como reagir. Talvez isso ocorra porque os próprios pais cristãos não possuem eles mesmos tanta convicção quanto afirmam possuir, sendo assim incapazes de transmiti-la racionalmente a seus filhos.

O grande problema é essa delegação que os pais deram à TV. Muito melhor terceirizar a educação da prole, deixar a "babá" de LCD criando os guris no automático e irritar-se quando ela não faz o serviço como você quer.

Por que não arregaçar as mangas e educá-los você mesmo? Passar tempo com eles, ganhar a confiança deles. Fazer economias, se for o acaso, e comprar livros para eles. Vetar na SUA casa o que você achar impróprio para os SEUS filhos. Ver TV com eles e discutir o conteúdo: "O que você acha disso, filho(a)?", "E se a gente pensar por esse outro lado?", "Tá vendo? Isso o que está sendo transmitido aí não são bons valores por causa disso, disso e disso".

Eu sei, dá trabalho, não é? E quem tem tempo hoje em dia? Sabe aquele tempo destinado a ler e compartilhar inutilidade no Facebook? Então, já seria um começo.

Sem generalizações
É claro que crentes também sofrem discriminação real e devem lutar por seus direitos. É claro que a sociedade precisa debater e reivindicar um conteúdo televisivo melhor (só para citar um exemplo, curiosamente, não se vê os mesmos crentes lutando contra a cobertura jornalística sangrenta de muitas TVs locais, como a daqui da Paraíba, – grande parte deles até assiste a ela alegremente – com superexposição de crimes horrendos e cadáveres em decomposição em pleno horário de almoço, tudo em busca de ibope por meio do sensacionalismo, banalização da violência e exploração da desgraça alheia. Isso, no mínimo, deveria ser debatido por aqueles tão ávidos em lutar por uma TV mais ética e apropriada à família).

É claro também que há vários crentes buscando ser solidários e pensantes. Mas, aos demais membros da classe: com esse tipo de campanha cada vez mais recorrente, meus amigos, vocês só se expõem, demonstrando não possuir argumento diante de uma crítica, nem inteligência/senso de humor diante de uma piada. 

Piadas: o grande problema da humanidade 
Como se o grande problema do Brasil e do mundo fossem as piadas de cunho religioso, as quais não fazem o mundo nem mais nem menos cruel – talvez só um pouco mais risonho.

Entre outras coisas, por perder tempo combatendo piada (algo contra o qual não se vê Cristo gastando uma única gota de saliva), crentes não tem tempo para seguir a verdadeira ordem de seu Mestre e combater as reais mazelas da humanidade, sobretudo as deles próprios.


[1] Tal palavra é usada neste texto em seu sentido comum e restrito: os chamados cristãos protestantes ou evangélicos, embora ela também possua sentido mais amplo e menos popularizado: todo aquele que crê.

4 comentários:

  1. para mim é mais uma desses comerciais sem grande criatividade... não me afeta como cristã. Eu sei em Quem eu creio... quem quiser duvidar ou negligenciar conhecê-LO estará realmente em maus lençóis.

    Mente secular produz pensamentos seculares.

    Sou contra tanta coisa: hipocrisia, mentira, mas será que como cristã ajo diferente? Pergunto-me se a mente que não crê em Deus não é resultado de como nós os cristãos estamos agindo. Estamos realmente refletindo a imagem de Cristo? Taí algo a refletir e buscar.

    Curto muito a maneira como vc escreve menina de Deus.

    bjs.

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  2. "Pergunto-me se a mente que não crê em Deus não é resultado de como nós os cristãos estamos agindo".

    EXATO, Ruth! Vc chegou ao cerne da questão. É o q sempre me pergunto tb.

    ===
    Acho engraçado qdo vc diz q gosta do q escrevo e de como escrevo. Vc, sempre tão comedida e fina; eu, uma ácida, atrevida. rsrs

    Obrigada pelo sempre caloroso (e recíproco) carinho.

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    1. agora que vi seu comentário... rsrsrsrsr

      Mas, eu falei sério.

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  3. Desde qdo vc voltou a postar no seu blog? Não sabia.

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