Tem circulado no Facebook uma brincadeira
pedindo que as mulheres troquem seu avatar por uma foto delas sem blusa, como
"campanha" contra o câncer de mama. Acabo de abrir o Facebook e me
deparar com uma resposta a essa brincadeira. A resposta consiste em uma imagem
forte com um texto aplaudido por muitos: a foto do busto desnudo de uma mulher
que passou por uma mastectomia total em uma das mamas. O texto diz, altamente
revoltado, que não se brinca com câncer, que queria ver se fosse com a mãe do
"babaca" que posta isso, entre outros chavões.
É óbvio que essa resposta nervosa ignora um
fator básico: o alvo da piada não é o câncer de mama, muito menos as pessoas
com tal doença. A piada é uma sátira às campanhas do Facebook que pretendem
mudar o mundo ao incentivar pessoas a mudarem de avatar.
Essa é uma amostra de que boa parte das
piadas que causam revolta, causam por não serem entendidas. A pessoa vê um
termo sendo usado numa piada e, só pelo fato do termo ser mencionado ali no
meio, ela já acha que aquele é o alvo da piada. E pior, acha que aquela é de
fato a opinião de quem fez a piada.
Piada não necessariamente é opinião. Ou
alguém, em sã consciência, crê de fato que Rafinha Bastos disse aquilo porque
faria mesmo sexo com Wanessa Carmago e o bebê dela?
Há que se saber distinguir o sentido figurado
das palavras. Imagine eu me sentir ameaçada ao ouvir de você: "Se você não
lavar a louça, eu te mato". Isso é uma óbvia figura de linguagem para
dizer que é imprescindível que eu lave a louça. O problema é que a maioria de
nós tende a reconhecer apenas essas figuras de linguagem óbvias.
A
frase em sentido literal
Dizer que "comeria" o bebê é tão
figurativo quanto a ameaça de morte acima. É plausível questionar duramente a
graça e refinamento de uma frase como a dirigida a Wanessa. Mas para por aí. Eu
mesma achei sem graça. Não pelo viés moral, mas simplesmente pela falta de real
comicidade (sem trocadilhos porque a piada envolvia "comer", hein?).
É claro que qualquer pessoa tem direito de se
sentir ofendida com algo. É um sentimento muito pessoal, no qual ninguém deve
interferir. Assim como qualquer pessoa tem direito de se sentir vilipendiada
diante de um "nunca vi mais gordo", ou um "você está me
denegrindo" (termo que etimologicamente refere-se à palavra "negro".
Defensores dos direitos dos negros dizem se tratar de um termo politicamente
incorreto – embora não se saiba como o deixar de usá-lo melhore a vida de algum
negro). Questiono apenas se não está fazendo falta um pouco de habilidade de
abstração (em todos os sentidos) por parte de tal ofendido.
Claro que proporcionalmente é mais grave que
alguém diga que transaria com seu bebê (e mais normal que alguém se ofenda).
Mas isso se esquecermos que a frase foi dita por um humorista (engraçado ou sem
graça), em um programa de humor (idem) e tomarmos a frase em seu sentido
literal. Também é muito grave dizer, como no exemplo dado acima, que vai matar
alguém – se isso for dito com a real intenção de fazê-lo.
O
conteúdo escatológico
O humor é também uma ficção. Com ele,
constantemente rimos e fazemos piada com coisas gravíssimas. Normalmente,
piadas tem, por sua própria natureza, algum nível de crueldade (geralmente fictícia,
ainda que retrate uma realidade) com um alvo (fictício ou real). Mesmo as mais
"inocentes".
Há aquela piada em que um leão foge da jaula
em pleno circo lotado. Ao ver a fera solta, a multidão corre em polvorosa. Uma
sensível e altruísta senhora, ao perceber o desespero de um deficiente físico
para fugir, grita solidária para que alguém o socorra: "Pega o deficiente!
Pega o deficiente!". E o deficiente responde indignado: "Oxe! Deixa o
leão pegar quem ele quiser!". (Nessa piada, em lugar de "deficiente",
figura um termo tido como politicamente incorreto: "aleijado").
Há também aquela em que estão reunidos um
francês, um português e um brasileiro. A cada um é perguntado qual a maior
causa de morte em seus respectivos
países. O francês responde: "A gripe", e escarra uma grande
quantidade de muco sobre a mesa. O português responde: "A lepra",
arranca um pedaço de dedo pútrido de sua mão doente e o põe sobre a mesa.
Quando chega a vez do brasileiro, este responde: "A fome", atira-se
sobre a mesa, pega o pedaço do dedo do leproso, passa-o no escarro e come.
Por que tantos acham engraçada uma piada
envolvendo um deficiente físico e em situação tão angustiante? Sem dúvida,
ninguém normal acharia graça ao ver um ser humano, na vida real, desesperado
pelo risco aterrorizante de ser estraçalhado por uma fera selvagem – ainda mais
sendo alguém com menor possibilidade de defesa.
Sobre a segunda piada, por que não se vê
tantas reclamações contra uma anedota com algo tão hediondo e revoltante quanto
a fome – que mata milhares de pessoas por dia no mundo inteiro? É mais fácil
ver pessoas reclamando de nojinho do conteúdo escatológico dessa piada do que
do fato de ela usar algo tão sério e deprimente como objeto de humor.
Inusuabilidade
do tema
Sem falar em piada com cego, doente mental,
idoso, viúva, alcoólatra, morte de sogra, infidelidade conjugal, matrimônio
esfacelado (na vida real, entra-se em depressão, mata-se e morre por isso).
Exemplos inesgotáveis que podem ser extraídos de quase qualquer piada que
ouvimos e contamos corriqueiramente. Mas, por que são incomuns manifestações
contra piadas que fazem graça com coisas que no dia a dia são tristes ou com
classes de pessoas que, segundo todos acham (inclusive os que acham graça),
merecem respeito?
Não há o que discutir quanto ao fato de não
vermos tanta resistência a piadas com esses elementos, embora, sem dúvida,
sejam eles causa de grande sofrimento na vida real. Meu palpite sobre o porquê
disso é que tais coisas fazem muito mais parte do nosso cotidiano. Todos as
vemos há muito tempo, praticamente em cada esquina. Então, nesses casos, a
humanidade já teve tempo para conseguir distinguir linguagem figurada de uma
apologia ou de uma tentativa de depreciação real.
Assim, o grande problema do chiste de Rafinha
Bastos (além da patente falta de graça) foi a inusuabilidade do tema – ao menos
em relação a tantos outros temas tristes, cruéis e sórdidos, porém
(incoerentemente) bem aceitos quando abordados em piadas.
Achar que aquelas piadas são apologia a
pedofilia ou estupro é que é uma piada. As constantes piadas na internet sobre
a longevidade de Oscar Niemayer não são uma apologia à morte de idosos ou a
algum desejo mórbido pelo óbito do arquiteto centenário. As piadas de Seu
Saraiva, interpretado pelo falecido Francisco Milani, não eram apologia a
destratar os outros na vida real sempre que estes fizerem alguma pergunta tola.
Engraçadas
ou sem graça, são piadas
Numa
piada veiculada no Twitter, alguém reclamou: "Querem punir @rafinhabastos por uma piada de mau gosto, mas não
vi ninguém querendo punir Wanessa por cantar". É óbvio que apesar de não
apreciar o trabalho dela, ninguém que desfruta de uma democracia e que seja
dono de seu juízo anseia mesmo que ela seja, de fato, literalmente, punida por
cantar.
As constantes piadas dizendo que Justin
Bieber ou os componentes do Restart devem morrer, não são apologia ao
homicídio. E, afora a reação de algumas fãs púberes e histéricas "xingando
muito no twitter", nenhum adulto mentalmente são pensa em acionar a
justiça por causa de tais piadas nada elogiosas. Por quê? Porque são apenas
isso: pi-a-das. Engraçadas ou sem graça, refinadas ou grosseiras, cerebrais ou
adolescentes, são piadas.
Já viu? http://www.youtube.com/watch?v=CzXHxpzknrs&feature=related
ResponderExcluirO mundo anda tão burro que logo vai fazer mais sentido se comunicar só através de emoticons, inclusive pessoalmente. Usaremos plaquinhas. Todas as bobeiras (ou não)que eu escrevo por aí tenho que desenhar pra alguém que não entendeu, haja saco. Mas em redes sociais noto que o público de facebook é tipo lidar com a tia avó neurótica e surda: normalmente não entende, e quando absorve alguma coisa acha que é perseguição pessoal. Twitter é mais fácil pois é um mundo de gente berrando sozinha, cada um entretido em seu próprio assunto.
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